O silêncio e o medo!
Nunca falamos. Apenas olhamos. Olhamos tantas vezes como se não houvesse amanhã. Percorremos a estrada dos nossos olhos. Sem curvas nem rotundas, sempre a direito. Não haverá o nosso amanhã. Apenas o meu amanhã. E o teu amanhã. Algures. Por aí. Até um nosso próximo reencontro. Quando nos voltarmos a reconhecer seja em que pavimento for. Alcatrão. Calçada. Pedra. Areia. Onde os nossos pés voltarem a andar somente para se cruzar. Sem medo de se entrelaçarem.
Nunca falamos. Sem um mero abraço. Aquele abraço. O único que queria. O teu abraço. Nunca te poderei abraçar. Sentir o teu coração-casa a pulsar no meu peito. Adormecer a almofada do sono no teu colo. Quimeras platónicas. Medo maior que sinto, este de um dia a morte me chegar sem um abraço teu.
Nunca falamos. Nunca te poderei sussurrar que me estremeces o coração. Que me tremes os joelhos. Que és abismo das minhas emoções. Que fico parada porque não consigo andar. Porque as calças escondem o meu vacilar de pernas. Porque me tonteias os sentidos de amor.
Nunca falamos. Nunca te poderei perguntar o que sente essa tua alma ao ler estas minhas palavras. As tuas palavras que ficam a flutuar na minha mente quando te deixo ir. Porque sei que sabes. Que sabemos. Mas nunca falamos. Temos medo. E por isso continuamos a teimar nisto do silêncio.
Nunca falamos. Para te dizer que te sinto especial. Que não sei por que razão és especial. Não o sei explicar. Já perguntei ao universo porque te faz especial aos meus olhos. Mas esse universo continua mudo. Sem nada me dizer. Pode parar o relógio para te conseguir ver. Pode fazer desaparecer o trânsito para correr e olhar um segundo que seja para ti. Mas não me explica isto que sinto ao ver-te.
Nunca falamos. Nunca compreenderemos o medo que nos silencia a voz. Talvez não perceba. Talvez não seja para perceber. Talvez tenha de deixar fluir o que sinto. Não esconder de mim o que sinto. Conhecer-me. Não sei como fazes isso, mas essa tua alma ajuda-me no caminho de encontro a mim. Irónico. Nunca falamos. Mas és força para mim.
Nunca falamos. Parece medo. São os nossos fantasmas reais e imaginários. Aqueles que nos perseguem nos pesadelos. Já os conheceste? Aqueles que me deixaste e os que te enviei para te atormentar. Para nunca nos sentirmos sozinhos de nós mesmos. Nunca falamos. Porque não conseguimos enfrentar o nosso fantasma. O medo aterroriza-nos a coragem.
Nunca falamos. Não posso chegar ao pé de ti e dizer como és absurdamente bonito. Que és amor. Há uma sociedade que não me permite dizer isso. Que nos ata os dedos num cordel que farrapa a pele. Por isso nunca falamos. Essa corda sufocou-nos a voz.
Nunca falamos. Continuemos na nossa conversa de almas. Porque as almas não sentem medo. Amam. Eu escrevo-te o meu coração. Tu ouves-me na tua alma. Porque teimamos nisto do silêncio. Até ao dia em que rasgarmos os medos das palavras.
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Ana Cristina dos Santos Gomes - Amadora
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