Se um dia o medo...
E se um dia o medo vier?
Que estridentes trompetas o anunciarão, se ele um dia chegar como uma invisível ameaça, cruel e infame, vinda dos longínquos horizontes onde habita a incerteza e governa o desconhecido, e vier abater-se sobre as urbes, tornando monocromáticas as paisagens, negras as almas e cinzentas as vidas? Que medievas reações terão as gentes, acossadas na sua acomodação e indiferença, se subitamente obrigadas a transmudar suas vidas remetendo-se ao abrigo das sombrias casas, perante a superlativa e inverosímil ameaça?
Esvaziar-se-ão as ruas, transformadas em desertos de alcatrão pejados de veículos abandonados, por onde passam fugazes e cabisbaixos apenas aqueles que nela se aventuram por força das obrigações e das inevitabilidades? Despovoar-se-ão as vilas e as cidades? Tomará o silêncio o lugar das vozes e das gargalhadas, e escutar-se-á apenas o seu som, que julgávamos inexistir por nunca o havermos escutado?
Assomarão uma e outra vez às janelas, ou aos postigos, rostos fugidios e espectrais, como que sopesando a cada momento a espessura daquelas inusitadas circunstâncias para, logo depois, o som dos ferrolhos que se correm tornarem a mergulhar cada um no seu cárcere voluntário, adivinhando-se o tempo lento que passa dentro daquelas paredes onde gente incrédula se resguarda do invisível e do desconhecido?
Se o medo vier, que velhos demónios invocaremos para o justificar? Que soturnos pensamentos aflorarão na mente de cada um de nós? Que lancinante dor se virá instalar perante o receio de um beijo ou de um abraço de um filho, de um pai? Quão lúgubres se tornarão as nossas vidas tocadas pelo afiado estilete do medo que, fino, mergulhará nas nossas fragilidades?
E se o medo vier e não partir, se ousar entranhar-se nas nossas vidas, restando-nos apenas esperar por uma qualquer milagrosa circunstância que o devolva aos devónicos tempos de onde pareça ter saído?
E se, na sua silente e traiçoeira presença, o medo for o futuro? Será que se instalará o temor de não sermos capazes do vencer?
Será que teremos a ousadia de o olharmos de frente, para que possamos poder ver de novo
as cores do crepúsculo no seu rutilante esplendor?...
E se o medo vier?
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João Manuel Chambel Gonçalves Pedro - Montijo
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