29 de janeiro de 2021

Menção Honrosa - 2020

O fim dos dias

Ao descer do autocarro, Clara olhou para o velho relógio de pulso e notou que, pela primeira vez em vários anos, seria a primeira pessoa a chegar a casa. Durante a hora de almoço na fábrica, recebeu a chamada telefónica que pôs fim ao seu segundo trabalho como empregada doméstica que durava há vinte anos. Do outro lado da linha, Júlia dizia-lhe que o contrato de venda da casa da mãe estava assinado e que iria voltar para a Suécia. Não iria precisar de mais nada da sua parte, os novos donos tinham ficado encantados com o estado de limpeza da casa e o último pagamento, com “uma gentileza”, iria ficar num envelope na Pastelaria Doce Mel. Clara, com o telemóvel numa mão e um garfo na outra, agitou a cabeça em conformidade, o que resultou num silêncio no telefone. Júlia sentiu aquela pausa desconfortável e acrescentou, antes de desligar: nunca se esqueça durante todos estes anos foi como se fosse da família. “Com certeza, menina. Tudo de bom” disse Clara e deixou a testa cair e repousar, por segundos, na mesa do refeitório. Sabia que aquela notícia ia chegar desde Abril, quando a matriarca viúva Emília teve um ataque cardíaco fulminante e Clara a encontrou no chão da sala de estar. Há duas décadas que, depois do turno diário na fábrica de roupa interior feminina, Clara trabalhava naquela casa, duas a quatro horas, conforme as tarefas que a patroa Emília tinha destinadas para si. Somando aos dois empregos, o tempo que passava em transportes públicos, nunca chegava a sua casa antes das dez da noite. Apesar do extremo cansaço que sentia, a hora tardia de chegada a casa diminuía a probabilidade de encontrar o seu marido ainda acordado. O que diminuía a probabilidade de ter que se submeter às suas perguntas bruscas e agressivas, o que diminuía a probabilidade de encontrar arranhões e nódoas negras em partes do corpo, ao acordar. Era no caminho da paragem de autocarro até à fechadura da sua casa, que a ansiedade e o medo que trazia no peito se transformavam em dois monstros gigantes que a acompanhavam de mão dada até à entrada de sua casa. Abrindo devagar a porta de entrada, a luz da sala estar acesa ou apagada dava escolha aos dois gigantes para entrarem, lado a lado, com Clara ou voltarem para o seu peito. Clara sabia que, a partir de agora, chegaria sempre mais cedo que o marido e que estaria dentro de casa, quando ele abrisse repentinamente a porta de entrada. Subiu as escadas do prédio em passos demorados e enquanto rodava a chave na porta percebeu que, enquanto estivesse naquela casa, os monstros teriam morada.

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Liliana Valente Cruz - Forte da Casa 

Menção Honrosa - 2020

O medo

Temo a guerra, a pobreza e os sonhos adiados,
temo a fome, a tristeza e os amores desencantados.
Temo os invernos sem chuva e os verões sem calor,
temo a esperança perdida e uma vida sem amor.
Temo as palavras que ferem, o cinismo e a falsidade
e a deslavada mentira disfarçada de verdade.
Temo os beijos sem doçura e os abraços sem chama
e temo o dobrar dos sinos por aqueles que se ama.
Temo a dor e temo a morte, a loucura e o esquecimento,
temo depender da sorte e temo o arrependimento.
Temo as farpas do ciúme e os espinhos da rosa,
temo a poesia morta e o vazio da prosa.
Temo a lágrima escondida, aquela que ninguém vê
e o soluço abafado que não encontra um porquê.
Temo as questões sem resposta e os desejos impossíveis,
os segredos mal guardados e os corações insensíveis.
Temo a ausência do vento que não ondula as searas,
os pesadelos dos dias inúteis e as insónias das noites claras.
Temo esquecer as dores que deram valor ao riso
e as portas que se abriram sempre que tal foi preciso.
Temo os outonos sem cheiro de terra molhada
e temo o amor cansado e a morte anunciada.
Temo a renúncia e a resignação de apenas existir,
o egoísmo desenfreado e o amor doentio de quem não deixa partir.
Temo os sorrisos falsos e a cegueira de quem não quer ver,
as madrugadas que não chegam a ser dia e os crepúsculos que não vão anoitecer.
Temo os prantos que desnudam a alma e as saudades que não cabem no peito,
temo a vida mal vivida no pretérito imperfeito.
Temo as areias movediças da vontade e o rochedo aguçado do destino,
temo a ingratidão, a arrogância e o castigo divino.
Temo as mortes necessárias e a liberdade proibida
e a sede de poder pela ambição desmedida.
Temo perder a essência de quem realmente sou
e os caminhos tortuosos na senda por onde vou.
Temo o papão que se esconde debaixo da minha cama
e além das tramas da vida, temo a forma, tão subtil, como esta vida nos trama.

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Josefina Maria Alves da Luz Graça - Lagos  

Menção Honrosa - 2020

O Medo é um Sentimento

O medo é um sentimento
Que vem connosco ao nascer
Pode torna-se um tormento
Que não passa com o tempo
E dura até morrer.

O medo tem dois sentidos
Que devemos de entender
É um que livra dos perigos
E nos deixa protegidos
E outro que nos faz sofrer

Por medo ficamos arrepiados
E o pânico restringe a liberdade
O temor deixa-nos paralisados
Com ele dormimos acordados
No leito onde mora a ansiedade.

O medo pode nos atormentar 
Porque ele nunca tem opositor
Mas apesar de nos amedrontar
Ainda o podemos superar
Nos braços do nosso amor.

Mas quem disser não ter medo
Está mentindo para alguém
Pois todos nós sentimos medo
Nem que seja em segredo
Dos medos que a vida tem.

A lei do medo é um guia
Que não nos pode faltar
Se não ai de nós o que seria
Tudo fazia o que queria
Sem ninguém para castigar.

Mas há aquele medo que persiste
E de todos o que nos bate mais forte
É um terror a que ninguém resiste
É tão cruel que nos deixa triste
Esse medo é sempre o medo da morte.

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Felícia Festas - Hortinhas, Évora

Menção Honrosa - 2020

O Medo x A Audácia

O contrário da palavra medo é coragem. Audácia pra encarar a vida de maneira despretensiosa com parcimônia e cautela.

Engraçado como isso soa e tem a mesma sinfonia, tem também o som de algumas palavras. Embora pretensiosas, passam muitas vezes despercebidas. Hoje, porém, ao ler um jornal sobre criptografia que eu adoro me deparei com uma palavrinha bastante curiosa e muito pouco usada no dia-a-dia: a "audácia".

Segundo o dicionário Houaiss, audacioso é aquele que tem aptidão ou tendência a realizar ações difíceis, não se importando com o perigo (me lembrei da frase do Simba, personagem do filme do filme Rei Leão quando ele fala: "Eu sorrio na cara do perigo, hahahaha"). É aquela pessoa que se caracteriza por se opor ao que está previamente estabelecido, que se expressa com inovação. Que é destemido e não tem medo.

Bom, o fato é que a palavra é muito atraente e positiva, pois remete a desafio e, portanto, a realizar algo que deseja muito, colocando força e dedicação para ser feito. Embora, muitas vezes não pensemos muito no que fazemos diariamente no trabalho e em casa ao agirmos no impulso, no automático, sem medir consequências, o importante é dar o melhor, agir com prudência e cautela, principalmente.

Paralelo a isso, a "audácia" me lembrou um episódio inédito essa semana, bem legal que aconteceu comigo. Na segunda-feira (5), eu fui vacinar a minha gata, Bella, no Centro de Zoonose de Brasília, que é um local aonde os veterinários são especializados em cuidar de cães e gatos. Lá, eles são responsáveis por acolher a maioria dos animais domésticos abandonados do Distrito Federal e colocar para adoção. O local é enorme, super bem organizado e eles são super atenciosos. Ao chegar lá fui atendida em menos de 5 minutos. Foi muito rápido e eficiente o atendimento do veterinário que vacinou a Bella. Fui audaciosa! Por quê?

Eu não tinha noção de como era o local, estava morrendo de medo, era distante da minha casa e, eu não imaginava o que ia encontrar. E por isso, acabei me surpreendendo com milhares de gatinhos e cachorros, loucos por um dono, um lar.

Achei muito fera! Se eu pudesse, pegava todos para mim! Todos é muito, vai?! Mas, uns três eu pegaria! Hahaha. Contudo, já tenho uma gata que amo e cuido com muito amor e carinho. E isso, sim, é o mais importante! Mais do que a minha "audácia" e despretensão do medo, de ter ido lá na Zoonose levar a Bella.

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Eloange Bittencourt Emediato - Brasília

Menção Honrosa - 2020

O silêncio e o medo!

Nunca falamos. Apenas olhamos. Olhamos tantas vezes como se não houvesse amanhã. Percorremos a estrada dos nossos olhos. Sem curvas nem rotundas, sempre a direito. Não haverá o nosso amanhã. Apenas o meu amanhã. E o teu amanhã. Algures. Por aí. Até um nosso próximo reencontro. Quando nos voltarmos a reconhecer seja em que pavimento for. Alcatrão. Calçada. Pedra. Areia. Onde os nossos pés voltarem a andar somente para se cruzar. Sem medo de se entrelaçarem.
Nunca falamos. Sem um mero abraço. Aquele abraço. O único que queria. O teu abraço. Nunca te poderei abraçar. Sentir o teu coração-casa a pulsar no meu peito. Adormecer a almofada do sono no teu colo. Quimeras platónicas. Medo maior que sinto, este de um dia a morte me chegar sem um abraço teu.
Nunca falamos. Nunca te poderei sussurrar que me estremeces o coração. Que me tremes os joelhos. Que és abismo das minhas emoções. Que fico parada porque não consigo andar. Porque as calças escondem o meu vacilar de pernas. Porque me tonteias os sentidos de amor.
Nunca falamos. Nunca te poderei perguntar o que sente essa tua alma ao ler estas minhas palavras. As tuas palavras que ficam a flutuar na minha mente quando te deixo ir. Porque sei que sabes. Que sabemos. Mas nunca falamos. Temos medo. E por isso continuamos a teimar nisto do silêncio.
Nunca falamos. Para te dizer que te sinto especial. Que não sei por que razão és especial. Não o sei explicar. Já perguntei ao universo porque te faz especial aos meus olhos. Mas esse universo continua mudo. Sem nada me dizer. Pode parar o relógio para te conseguir ver. Pode fazer desaparecer o trânsito para correr e olhar um segundo que seja para ti. Mas não me explica isto que sinto ao ver-te.
Nunca falamos. Nunca compreenderemos o medo que nos silencia a voz. Talvez não perceba. Talvez não seja para perceber. Talvez tenha de deixar fluir o que sinto. Não esconder de mim o que sinto. Conhecer-me. Não sei como fazes isso, mas essa tua alma ajuda-me no caminho de encontro a mim. Irónico. Nunca falamos. Mas és força para mim.
Nunca falamos. Parece medo. São os nossos fantasmas reais e imaginários. Aqueles que nos perseguem nos pesadelos. Já os conheceste? Aqueles que me deixaste e os que te enviei para te atormentar. Para nunca nos sentirmos sozinhos de nós mesmos. Nunca falamos. Porque não conseguimos enfrentar o nosso fantasma. O medo aterroriza-nos a coragem.
Nunca falamos. Não posso chegar ao pé de ti e dizer como és absurdamente bonito. Que és amor. Há uma sociedade que não me permite dizer isso. Que nos ata os dedos num cordel que farrapa a pele. Por isso nunca falamos. Essa corda sufocou-nos a voz.
Nunca falamos. Continuemos na nossa conversa de almas. Porque as almas não sentem medo. Amam. Eu escrevo-te o meu coração. Tu ouves-me na tua alma. Porque teimamos nisto do silêncio. Até ao dia em que rasgarmos os medos das palavras.

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Ana Cristina dos Santos Gomes - Amadora

3º Prémio - 2020

Se um dia o medo...


E se um dia o medo vier?
Que estridentes trompetas o anunciarão, se ele um dia chegar como uma invisível ameaça, cruel e infame, vinda dos longínquos horizontes onde habita a incerteza e governa o desconhecido, e vier abater-se sobre as urbes, tornando monocromáticas as paisagens, negras as almas e cinzentas as vidas? Que medievas reações terão as gentes, acossadas na sua acomodação e indiferença, se subitamente obrigadas a transmudar suas vidas remetendo-se ao abrigo das sombrias casas, perante a superlativa e inverosímil ameaça?
Esvaziar-se-ão as ruas, transformadas em desertos de alcatrão pejados de veículos abandonados, por onde passam fugazes e cabisbaixos apenas aqueles que nela se aventuram por força das obrigações e das inevitabilidades? Despovoar-se-ão as vilas e as cidades? Tomará o silêncio o lugar das vozes e das gargalhadas, e escutar-se-á apenas o seu som, que julgávamos inexistir por nunca o havermos escutado?
Assomarão uma e outra vez às janelas, ou aos postigos, rostos fugidios e espectrais, como que sopesando a cada momento a espessura daquelas inusitadas circunstâncias para, logo depois, o som dos ferrolhos que se correm tornarem a mergulhar cada um no seu cárcere voluntário, adivinhando-se o tempo lento que passa dentro daquelas paredes onde gente incrédula se resguarda do invisível e do desconhecido?
Se o medo vier, que velhos demónios invocaremos para o justificar? Que soturnos pensamentos aflorarão na mente de cada um de nós? Que lancinante dor se virá instalar perante o receio de um beijo ou de um abraço de um filho, de um pai? Quão lúgubres se tornarão as nossas vidas tocadas pelo afiado estilete do medo que, fino, mergulhará nas nossas fragilidades?
E se o medo vier e não partir, se ousar entranhar-se nas nossas vidas, restando-nos apenas esperar por uma qualquer milagrosa circunstância que o devolva aos devónicos tempos de onde pareça ter saído?
E se, na sua silente e traiçoeira presença, o medo for o futuro? Será que se instalará o temor de não sermos capazes do vencer?
Será que teremos a ousadia de o olharmos de frente, para que possamos poder ver de novo
as cores do crepúsculo no seu rutilante esplendor?...
E se o medo vier?

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João Manuel Chambel Gonçalves Pedro - Montijo

2º Prémio - 2020

É quando ouço os teus passos pesados a subir as escadas, que o medo começa a deslizar dentro de mim - no sangue das minhas veias -, insidioso, como um animal doméstico que me habita os silêncios e desperta com a tua chegada. Já passaste o primeiro andar, tiras as chaves do bolso que vens a agitar enquanto sobes o último lanço, e nesse metálico tilintar, quase alegre, reconheço a campainha do meu medo, ou o alarme do meu terror - não sei bem. Espero-te. Pela última vez, olho tudo em redor e certifico-me: o jantar está pronto e quente, a casa brilha, orgulhosa do perfume da sua limpeza, e na jarra de cristal, as flores sorriem-me, num verde saciado pela água transparente. Está tudo em ordem - respiro fundo, muito fundo - o medo, veloz, corre-me por dentro.

Chegaste. Os teus passos param à porta, a chave roda suavemente na fechadura. O medo é agora um bicho alado dentro do meu peito, uma ave aflita roçando as asas às cegas nas paredes do meu coração. Presa ao chão, aliso as pregas do vestido, alinho um fio fugidio no meu cabelo entrançado, verifico a subtileza do perfume que me ofereceste, na pele dos meus pulsos. Entras, fechas a porta e ficas parado a olhar-me, tão alto, tão belo como há trinta e dois anos, quando te disse "Sim" no altar, vestida de branco e de sonhos. Não dizes nada e eu sei que será como das outras vezes, como de todas as vezes: primeiro a bofetada, quando eu menos a esperar; depois virão os cabelos arrancados aos puxões, a seguir os socos no rosto, a cabeça batida brutalmente contra parede, finalmente os pontapés - nos rins, na barriga, nas costelas -, quando o meu corpo desistente estiver tombado de lado, como um navio naufragado.

Pousas a pasta e aproximas-te para o beijo. O teu sorriso é quase terno, apertas-me sensualmente a garganta enquanto procuras o medo dentro de mim. No meu olhar, consegues reencontrá-lo e reconhecê-lo: o medo é agora um peixe enorme, viscoso, nadando em círculos no mar dos meus olhos - esse medo traiçoeiro e pérfido que me domina, me cala e me sufoca, me impede de gritar, de fugir ou de me defender. Sim, esse medo carrasco mais forte do que eu, que permitiu que me partisses costelas e dedos e dentes, que autorizou que matasses a pontapé o nosso filho, dentro do meu ventre, e que consente que eu continue a ser tua - para sempre, até que a morte nos separe.

Beijas-me com doçura e sentas-te para jantar. Não dizes nada, enquanto eu te sirvo o ensopado de borrego. Do outro lado da mesa, vejo-te comer com apetite, vejo-te esvaziar copo atrás de copo, vejo-te abrir outra garrafa de vinho. O medo é agora um touro, um cavalo, uma besta que escouceia dentro da minha cabeça. Perguntas-me qualquer coisa a que não sei responder, gritas alto, cada vez mais alto, dás um murro na mesa, que faz tombar o copo vazio. Engulo em seco, o meu corpo treme, e o medo que me habita antecipa o gosto que a minha boca terá daqui a pouco: sémen, sangue, suor e lágrimas. 

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Ana Paula Braga Morais Mateus - Póvoa de Varzim


1º Prémio - 2020

                                              

COTIDIANO NO MORRO DA PIPOCA

Silvou por cima da minha cabeça e fez um buraco na parede do bar de mais ou menos dois centímetros de diâmetro. Instintivamente atirei-me ao chão, mesmo sabendo que, se ouvi o estampido, aquele gesto era desnecessário.

Alagado em suores, sem saber se do calor excessivo ou de uma resposta à taquicardia e confusão mental.

Quando me dispus a sair do bar, ouvi uma saraivada de balas vindo da parte baixa do morro, com certeza disparos da polícia pacificadora, que, por medo talvez, dispara para todos os lados tentando intimidar e, por vezes, ceifando vidas inocentes com balas perdidas.

- João ontem caiu vítima de fogo amigo. – disse a travesti Roberta, que estava estatelada no chão ao meu lado, segurando no meu braço, como se eu pudesse salvá-la de alguma coisa.

O António, cheio de coragem, fechou a porta de metal do seu bar, como se ela pudesse parar algum projétil balístico. Ele veio juntar-se a nós com uma garrafa de cachaça e depois de dar duas enormes talagadas, passou-a para nós.

- Por conta da casa. – disse.

Não me fiz de rogado e depois entreguei-a à Roberta, que, sem perder o fôlego, ingeriu quase a metade da garrafa, dando um sonoro arroto. De seguida caiu num pranto convulsivo, com voz grossa de barítono.

- Saiu o homem de dentro de si? – perguntei-lhe para desanuviar. Mas desviei o olhar da sua figura quando a vi toda urinada, não querendo aumentar o seu constrangimento.

- Abre essa porta portuga senão vou metralhar tudo. – disse Tião Cachorro querendo esconder-se da polícia.

O António depressa abriu a porta, mesmo na hora em que o Tião foi atingido e caiu morto para dentro do bar.

Agora, quando fecho os olhos, só vejo as partículas do cérebro do Tião na cara toda sarapintada do António.

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José Eugénio Borges de Almeida - Póvoa de Lanhoso