15 de novembro de 2019

1º Prémio - 2019

Carta ao Anastácio

O compadre está a ver aquele chaparro solitário plantado nas embalagens do leite? Sim, esse com aquela lonjura toda atrás e um risco sugerindo a imensidão da planície. É mesmo daí que eu lhe estou a escrever. Claro que sentado à sombra, que o sol continua a castigar como um chicote de fogo, nas costas da gente. Eu disse nas costas? Pior. muito mais grave quando assenta mesmo a pino na moleirinha. Veja o que aconteceu àquele moço que ficou três noites a fio pegando uma viola de cordas de vento, pescoço esticado para cima, entoando aquela melodia pastosa "menina que estás à janela com o teu cabelo à lua" ainda lá estaria não fosse o Chico Mataloto ter dó e chamar-lhe a atenção: Oh seu moinante, então tu não vês que hoje é lua nova e a janela fechada a sete chaves!? Onde é que tu vês a menina? Meteu a viola no saco e abalou para Lisboa. O resto já o compadre sabe. Somos cada vez menos. Sérios, respeitadores, pançudos por causa das açordas, mas resistentes ao suão, à canícula, a todos os rigores e à chacota do pessoal da cidade. Nã sê se o compadre sabe, fizemos um garrote no Guadiana. O rio inchou. Agora há água por todo o lado. Até praias já temos. Os finórios que iam para o Ancão ou para Albufeira, agora querem é praia de Mourão ou Amieira. Adeus seca! Isto tem tanta água que nuestros hermanos, sempre muito amigos vieram dar-nos uma ajuda. É só oliveiras e amendoeiras e vinhas regadas e não damos a água gasta! Vomecê não acredita? Nã me venha com essa conversa fiada dos lençóis freáticos e mais não sei quê, como os passarões do ambiente! A gente tem tanta, mas tanta água, que além dos ditos lençóis, também temos cobertores e mantas freáticas, com listas última moda.

Numa terra tão grande que até o silêncio ecoa de cabeço em cabeço somos cada vez menos, compadre Anastácio. Está tudo de abalada. Há os que ficam, os intelectuais dizem que é a força telúrica. A gente não entende e dizemos amor à terra. Ficamos aqui por estas barreiras, semeando mágoas, enquanto a passarada protesta de bico aberto no colo dos dias. Já cá me soou que o nosso governo conseguiu um subsídio da Europa e vai fazer uma reserva de Alentejanos. Já viu o turismo compadre? O aeroporto de Beja cheio de gente anémica de olho azul só para nos conhecer! Fique bem compadre. Eu ainda tenho água pelos joelhos e desconfio que com tanta água, a graça deste texto foi água abaixo. Tal não está a moenga!


Luís Filipe Morais Pereira Marcão
Reguengos de Monsaraz


2º Prémio - 2019

Já desde os tempos antigos
Do Geraldo Sem Pavor
Os chaparros são amigos
Da sestinha, meu amor

Alentejano valente
Para a açorda e o gaspacho
Se toca a rapar o tacho
Ninguém lhe passa para a frente.
Madruga com aguardente,
E come as migas com migos.
Com altos não vai aos figos
E em fezes não se mete,
Foge do diabo a sete,
Já desde os tempos antigos.

À sombra de uma azinheira
Como ovelha no acarro
Bate a sorna um chaparro
Nem torreira, nem soleira.
E sonha que a Terra inteira
É tudo Paz e Amor.
Pica o moscardo. A dor,
Ao acordar, de repente,
Solta o velho combatente
Do Geraldo Sem Pavor

É crente em Deus e nos Santos
- E noutras coisas também -
Mas os maganos são tantos
Que não os conhece bem.
Gosta de mangar mas tem
Medo dos raios, dos perigos,
Mete trancas nos postigos.
Mas, quando toca à matança,
Junta a malta para a festança:
- Os chaparros são amigos.

A pachorra alentejana
É boa para namorar:
A coisa pode demorar
Uma hora, uma semana...
Pau de azinho não abana,
Aguenta seja o que for.
E, no tempo do calor,
Quando a cigarra canta:
- Está na hora - traz a manta -
Da sestinha, meu amor!



Manuel João do Maio Calado
Borba

3º Prémio - 2019

COMPADRI, VOU-LHE CONTARI...

Compadri, vou-lhe contari:
Apareceu aí um magano
De Lisboa a perguntari
O que é ser alentejano!

Estava mangando c'a genti
E apanhou-me de maréi:
- Oiça lá, é ser diferenti
Daquilo que você éi!

Ver o mar nesta seara,
Achar que não está calori,
Saber o que é uma vara,
Trabalhar até o sol-pôri,

Saber de cor uma lenda,
Ir sempre mais devagari,
Pão e azeite à merenda
E migas para o jantari,

Tinto da pipa beberi,
Braço dado ao camarada,
Coro ou ponto a voz ergueri,
Com a goela já lavada,

De barro peças fazeri-
-boneco. prato, adereço-
Que você há de venderi
Mas por bem mais alto preço...

É a todos receberi
Com paciência infinita,
Rir de quem nos quer fazeri
Palhaços da sua fita!


Maria Paula da Silva Nunes Duarte Marques
Penela



Menção Honrosa - 2019

O QUE É SER ALENTEJANO?

Tu fazes cada pergunta, moço! Sei lá o que é ser alentejano! O que eu sei é que, no dia em que cheguei a esta terra, sob a "estorrina" do calor, já lá vão quase setenta anos, o Alentejo me roubou a alma! Logo a mim... que costumava dedicar os meus tempos livres (e também os outros) ... a roubar.

Nas Beiras, de onde vim, roubava aos ricos para dar aos pobres, incluindo-me, está claro, nestes últimos. Roubava gado, fruta, enchidos e alfaias agrícolas. Roubava as cuecas que esvoaçavam nos estendais e as latas das hóstias que o vigário guardava na sacristia. Roubei tanto e tão desavergonhadamente... que fui preso! Ao terceiro dia, descontente com o colchão da cela e a comida da prisão, lancei mão dos meus dotes de larápio habilidoso e escapuli-me. Disse ao guarda que precisava de verter águas, de esvaziar o intestino e lá consegui fugir pelo esgoto da prisão que, naquele tempo, era largo e desembocava no ribeiro da vila. Fugi de mãos a abanar! Nada trouxe comigo, a não ser o cheiro do esgoto... E foi assim que cheguei a terras de Além do Tejo!

"Nã tem nada que enganar, é já ali!" - disse-me o Manel Carrapato, à entrada do povoado! Mas não era já ali, não senhor... Estafado de tantos dias a caminhar com botas velhas, roubadas e dois números abaixo do meu, tive ainda de caminhar mais uma dúzia de quilómetros até chegar, finalmente, ao monte. Cada bolha dos meus pés, gritava: aprende que aqui no Alentejo, tudo (até a lonjura...) é "já ali ao lado". E eu aprendi! Nunca mais usei botas apertadas e agora, se me canso... sento-me a descansar!

Aprendi, ainda, que no Alentejo, a vida pode ser muito dura! Tive de ceifar e carregar muita palha. Aos poucos, fui perdendo o velho hábito de me apropriar do alheio. À minha volta, todos tinham pouco, muito pouco. O trabalho sob a torreira do sol foi-me dando o suficiente para viver. Mas deve ter-me queimado alguma coisa na moleirinha... porque me tornei estranhamente pachorrento e calado. Talvez um pouco melancólico (menos nos dias em que me junto aos outros homens da aldeia para beber copos, trautear melodias do cante alentejano e lançar impropérios ao Clero ou gracejos às maganas).

Aqui, no Alentejo, as planícies são de perder de vista. A imensidão entra-nos pelo coração adentro e parece que se fica sentimental e dado à poesia... E quem diria!? Tornei-me amante dos prazeres simples da vida: do cheiro do pão acabado de fazer, do sabor da sopa de beldroegas, da água da fonte bebida em concha de cortiça, do descabeçar um cadinho sob um sobreiro, da "despressa" com que se vive cada dia.

Nunca fiquei repeso de me ter tornado alentejano. Tenho a certeza, até, de ter o Alentejo no ADN: sinto-me Alentejano De Nascença e tenho nisso muito orgulho! Das Beiras guardo apenas uma réstia daquele velho vício de roubar e por isso passo os dias roubando e transformando anedotas que zombam dos alentejanos...

A propósito, moço, diz-me cá: tu que estudas na capital, sabes aquela dos lisboetas armados em ricos perante um alentejano? Diz o primeiro lisboeta: "Eu tenho muito dinheiro. Vou comprar o banco BPI!" Diz o segundo lisboeta: "Eu sou muito rico. Vou comprar a fábrica Fiat Automóveis!" Diz o terceiro lisboeta: "Eu sou um magnata. Vou comprar todos os supermercados Continente!" E os três ficam esperando o que o alentejano vai dizer. O alentejano dá uma baforada no cigarrito, faz uma pausa, cospe no chão e diz: "Nã vendo"!


Paula Cristina Direito Rabaça
Manteigas

4 de julho de 2019

Regulamento do Prémio Literário Hernâni Cidade 2019


Podem concorrer a este prémio todas as pessoas que o desejem, desde que aceitem e cumpram o disposto neste regulamento.


Na edição de 2019 a modalidade é: Texto humoristíco.

Tema:
"O que é ser alentejano?"


Cada participante só poderá concorrer com um único trabalho.


O trabalho não deverá exceder 1 página e será enviado em quatro  exemplares. Papel de formato A4, dactilografado, com espaço e meio de entrelinhamento, caracteres de tamanho 12, letra Times New Roman.


O trabalho será subscrito com um pseudónimo e far-se-á acompanhar de um envelope fechado com a indicação exterior do pseudónimo e idade do concorrente. Esse envelope conterá obrigatoriamente no seu interior a identificação do concorrente: nome completo, idade, morada com indicação do código postal e número telefónico para eventual contacto.


O trabalho poderá ser entregue:
a) Em mão na Biblioteca Municipal de Redondo

b) Pelo correio para:
Biblioteca Municipal de Redondo
Prémio Literário Hernâni Cidade 2019
Rua D. Arnilda e Eliezer Kamenezky, 43
7170-062 REDONDO

c) por email para premioliterariohernanicidade@gmail.com desde que:
1. seja enviado em anexo
2. o título do trabalho seja o mesmo que o nome do anexo
3. venha assinado com pseudónimo
4. em segundo anexo no mesmo email seja enviada a identificação do concorrente
5. cumpra as restantes cláusulas do regulamento


O prazo de receção dos trabalhos termina a 10 de Outubro de 2019, findo o qual se procederá à sua apreciação e classificação por um Júri de quatro elementos de reconhecida idoneidade, aos quais será vedada a participação no concurso, e de cuja decisão não haverá recurso.


Serão atribuídos

a) Três prémios: 1º, 2º e 3º, a que correspondem, respectivamente, as importâncias de 750, 375 e 250 Euros.

b) Menções honrosas a outros trabalhos que se distingam, em número a definir pelo Júri.
c) Diplomas de Participação a todos os concorrentes.


O Júri poderá não atribuir qualquer dos prémios desde que considere haver falta de qualidade nos trabalhos apresentados.

10º
Os concorrentes premiados serão avisados dos resultados do concurso, sendo os prémios entregues em cerimónia pública a realizar no dia 30 de Novembro de 2019, pelas 15 horas, no auditório do Centro Cultural de Redondo.

11º
A entidade organizadora reserva-se o direito de utilizar os trabalhos recebidos, quer expondo-os publicamente, quer publicando-os na imprensa nacional ou regional, ou ainda proceder à sua encenação ou representação em tempo oportuno.

Organização
Município de Redondo