O QUE É SER ALENTEJANO?
Tu fazes cada pergunta, moço! Sei lá o que é ser alentejano! O que eu sei é que, no dia em que cheguei a esta terra, sob a "estorrina" do calor, já lá vão quase setenta anos, o Alentejo me roubou a alma! Logo a mim... que costumava dedicar os meus tempos livres (e também os outros) ... a roubar.
Nas Beiras, de onde vim, roubava aos ricos para dar aos pobres, incluindo-me, está claro, nestes últimos. Roubava gado, fruta, enchidos e alfaias agrícolas. Roubava as cuecas que esvoaçavam nos estendais e as latas das hóstias que o vigário guardava na sacristia. Roubei tanto e tão desavergonhadamente... que fui preso! Ao terceiro dia, descontente com o colchão da cela e a comida da prisão, lancei mão dos meus dotes de larápio habilidoso e escapuli-me. Disse ao guarda que precisava de verter águas, de esvaziar o intestino e lá consegui fugir pelo esgoto da prisão que, naquele tempo, era largo e desembocava no ribeiro da vila. Fugi de mãos a abanar! Nada trouxe comigo, a não ser o cheiro do esgoto... E foi assim que cheguei a terras de Além do Tejo!
"Nã tem nada que enganar, é já ali!" - disse-me o Manel Carrapato, à entrada do povoado! Mas não era já ali, não senhor... Estafado de tantos dias a caminhar com botas velhas, roubadas e dois números abaixo do meu, tive ainda de caminhar mais uma dúzia de quilómetros até chegar, finalmente, ao monte. Cada bolha dos meus pés, gritava: aprende que aqui no Alentejo, tudo (até a lonjura...) é "já ali ao lado". E eu aprendi! Nunca mais usei botas apertadas e agora, se me canso... sento-me a descansar!
Aprendi, ainda, que no Alentejo, a vida pode ser muito dura! Tive de ceifar e carregar muita palha. Aos poucos, fui perdendo o velho hábito de me apropriar do alheio. À minha volta, todos tinham pouco, muito pouco. O trabalho sob a torreira do sol foi-me dando o suficiente para viver. Mas deve ter-me queimado alguma coisa na moleirinha... porque me tornei estranhamente pachorrento e calado. Talvez um pouco melancólico (menos nos dias em que me junto aos outros homens da aldeia para beber copos, trautear melodias do cante alentejano e lançar impropérios ao Clero ou gracejos às maganas).
Aqui, no Alentejo, as planícies são de perder de vista. A imensidão entra-nos pelo coração adentro e parece que se fica sentimental e dado à poesia... E quem diria!? Tornei-me amante dos prazeres simples da vida: do cheiro do pão acabado de fazer, do sabor da sopa de beldroegas, da água da fonte bebida em concha de cortiça, do descabeçar um cadinho sob um sobreiro, da "despressa" com que se vive cada dia.
Nunca fiquei repeso de me ter tornado alentejano. Tenho a certeza, até, de ter o Alentejo no ADN: sinto-me Alentejano De Nascença e tenho nisso muito orgulho! Das Beiras guardo apenas uma réstia daquele velho vício de roubar e por isso passo os dias roubando e transformando anedotas que zombam dos alentejanos...
A propósito, moço, diz-me cá: tu que estudas na capital, sabes aquela dos lisboetas armados em ricos perante um alentejano? Diz o primeiro lisboeta: "Eu tenho muito dinheiro. Vou comprar o banco BPI!" Diz o segundo lisboeta: "Eu sou muito rico. Vou comprar a fábrica Fiat Automóveis!" Diz o terceiro lisboeta: "Eu sou um magnata. Vou comprar todos os supermercados Continente!" E os três ficam esperando o que o alentejano vai dizer. O alentejano dá uma baforada no cigarrito, faz uma pausa, cospe no chão e diz: "Nã vendo"!
Paula Cristina Direito Rabaça
Manteigas
Nas Beiras, de onde vim, roubava aos ricos para dar aos pobres, incluindo-me, está claro, nestes últimos. Roubava gado, fruta, enchidos e alfaias agrícolas. Roubava as cuecas que esvoaçavam nos estendais e as latas das hóstias que o vigário guardava na sacristia. Roubei tanto e tão desavergonhadamente... que fui preso! Ao terceiro dia, descontente com o colchão da cela e a comida da prisão, lancei mão dos meus dotes de larápio habilidoso e escapuli-me. Disse ao guarda que precisava de verter águas, de esvaziar o intestino e lá consegui fugir pelo esgoto da prisão que, naquele tempo, era largo e desembocava no ribeiro da vila. Fugi de mãos a abanar! Nada trouxe comigo, a não ser o cheiro do esgoto... E foi assim que cheguei a terras de Além do Tejo!
"Nã tem nada que enganar, é já ali!" - disse-me o Manel Carrapato, à entrada do povoado! Mas não era já ali, não senhor... Estafado de tantos dias a caminhar com botas velhas, roubadas e dois números abaixo do meu, tive ainda de caminhar mais uma dúzia de quilómetros até chegar, finalmente, ao monte. Cada bolha dos meus pés, gritava: aprende que aqui no Alentejo, tudo (até a lonjura...) é "já ali ao lado". E eu aprendi! Nunca mais usei botas apertadas e agora, se me canso... sento-me a descansar!
Aprendi, ainda, que no Alentejo, a vida pode ser muito dura! Tive de ceifar e carregar muita palha. Aos poucos, fui perdendo o velho hábito de me apropriar do alheio. À minha volta, todos tinham pouco, muito pouco. O trabalho sob a torreira do sol foi-me dando o suficiente para viver. Mas deve ter-me queimado alguma coisa na moleirinha... porque me tornei estranhamente pachorrento e calado. Talvez um pouco melancólico (menos nos dias em que me junto aos outros homens da aldeia para beber copos, trautear melodias do cante alentejano e lançar impropérios ao Clero ou gracejos às maganas).
Aqui, no Alentejo, as planícies são de perder de vista. A imensidão entra-nos pelo coração adentro e parece que se fica sentimental e dado à poesia... E quem diria!? Tornei-me amante dos prazeres simples da vida: do cheiro do pão acabado de fazer, do sabor da sopa de beldroegas, da água da fonte bebida em concha de cortiça, do descabeçar um cadinho sob um sobreiro, da "despressa" com que se vive cada dia.
Nunca fiquei repeso de me ter tornado alentejano. Tenho a certeza, até, de ter o Alentejo no ADN: sinto-me Alentejano De Nascença e tenho nisso muito orgulho! Das Beiras guardo apenas uma réstia daquele velho vício de roubar e por isso passo os dias roubando e transformando anedotas que zombam dos alentejanos...
A propósito, moço, diz-me cá: tu que estudas na capital, sabes aquela dos lisboetas armados em ricos perante um alentejano? Diz o primeiro lisboeta: "Eu tenho muito dinheiro. Vou comprar o banco BPI!" Diz o segundo lisboeta: "Eu sou muito rico. Vou comprar a fábrica Fiat Automóveis!" Diz o terceiro lisboeta: "Eu sou um magnata. Vou comprar todos os supermercados Continente!" E os três ficam esperando o que o alentejano vai dizer. O alentejano dá uma baforada no cigarrito, faz uma pausa, cospe no chão e diz: "Nã vendo"!
Paula Cristina Direito Rabaça
Manteigas
Sem comentários:
Enviar um comentário