20 de outubro de 2012

2012 - Menção Honrosa

"Cabe, porventura, à literatura uma função social?" - Pensar que a resposta a esta questão se resume num simples “sim” ou “não”, é reduzir toda uma imensa paleta de cores - repleta de miríades de tonalidades - a duas únicas cores: “preto” e “branco”. É compactar toda uma orquestra sinfónica, num único instrumento. É admitir que na vida só são possíveis os “zeros” e os “uns” e desconhecer que entre o “zero” e o “um” existem uma infinidade de números e de estados intermédios. Portanto, caberá certamente à literatura uma função social, mas a mesma não se esgota, nem restringe o seu campo de ação a uma função social. Tal como os navegadores portugueses quinhentistas que não se ficaram pelas águas cálidas do Atlântico, mas passaram o cabo das Tormentas e avançaram “inda além da Taprobana”; assim, também, a literatura aporta mais além do que a mera função social.


Na literatura, o autor, recorrendo aos mais variados artifícios, vai mostrando distintas realidades, algumas das quais estão para além do conhecimento ou do dia a dia do leitor. Mas, o escritor faz mais do que se limitar a mostrar as existências desconhecidas: sub-repticiamente transformado em “escritor-pescador”, ele vai lançar a linha com um apetitoso isco, agitando-o levemente, até que o “leitor-peixe” o agarre. A partir daí, e como exímio pescador que é, o autor vai desenrolando lentamente a linha da sua cana de pesca, tentando que a sua presa não se solte do anzol, procurando conduzir o seu futuro troféu de pesca até bem junto de si, para o capturar. - Por vezes, o autor não é tão exímio pescador como pensa e o leitor-peixe escapa-se do anzol. - Capturado o leitor, a literatura transforma-se num intricado labirinto. O próprio leitor, que mordeu o isco (com linha e tudo mais), vai agora procurar descobrir onde o “criador” do labirinto o quer levar. Qual Teseu, vai-se valer do fio - que para o autor-pescador era o da cana de pesca - e segui-lo, convencido que existirá uma Ariadne que lhe mostrará a saída e que o irá salvar do temível Minotauro que, algures, o procura devorar. Por essa altura, já a literatura extravasou a mera função social. Já se tornou um medir de forças entre autor e leitor. Transmutou-se num tango dançado com veemência. Metamorfoseou-se num passatempo lúdico que transportará o leitor a novos mundos – reais ou imaginários.

A literatura também aproxima os indivíduos: um pouco por todo o mundo as pessoas juntam-se em grupos, ou em tertúlias, para analisarem e estudarem a obra de um dado autor. Similarmente, as diversas religiões organizam-se e reúnem os seus fiéis em torno dos seus livros sagrados: os cristãos em volta da Bíblia; os judeus em volta do Pentateuco e do Talmude; os muçulmanos em torno do Corão; os mórmones em torno do “Livro de Mórmon”.

Também se pode atribuir à literatura a responsabilidade de agregar e manter coesas as nações do mundo. Isto porque, em cada país, a constituição e os códigos a ela agregados, mantêm e definem os direitos e as obrigações dos indivíduos, enquanto cidadãos, e os do respetivo estado.

A literatura - independentemente da forma como aparece: em prosa ou em poesia; em romance ou em conto; como força de lei ou como meio lúdico - extravasou as fronteiras da mera ação social e tornou-se em um excelente indicador da cultura e da qualidade de um povo: um povo que lê muito e que lê bons livros será um povo mais rico. Todavia, convém salientar uma frase já muito batida, mas muito atual: a verdadeira riqueza de um povo não é contabilizada pelo dinheiro que possui ou pela capacidade de gerar dinheiro e bens materiais. A riqueza de um povo é refletida num espírito aberto e na capacidade para avançar para o futuro, aprendendo com os erros do passado e enfrentando os desafios do presente. Mas isso, só será possível com a multifacetada literatura, fiel depositária da história da humanidade, dos sonhos, dos pesadelos, do mal e do bem, das descobertas e das invenções; permitindo que a todo o momento se aceda à sua grande biblioteca e conduzindo a que haja uma maior tolerância interpessoal, fomentando a paz e harmonia global.

JOÃO MANUEL DA SILVA ROGACIANO
(Alverca)

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