Refugiado de mim
Foi
pelo écran do televisor que a noção de refugiado conquistou um lugar na vida
das pessoas. Era um drama que visualizavam todos os dias nos telejornais.
Corpos a boiarem nas águas do Mediterrâneo. Destroços de barcos resultantes de
naufrágios onde perdeu a vida um número desconhecido de pessoas que fugiam da
guerra, da miséria, da injustiça.
Imagens
duras. Mas tão duras aos meus olhos, aos olhos dos ocidentais, quanto a equipa
de futebol preferida ter perdido o campeonato. Pois, o vidro do écran cria uma
distância perversa em relação à dura realidade da vida.
Por
que é que isto acontece? Sou insensível à perda de vidas humanas? Como é
possível comparar as emoções que me dominam aquando da derrota da minha equipa
de futebol com as emoções correspondentes à imagem de Aylan Kurdi, a criança curda
de três anos morta nas mãos de um guarda turco numa praia mediterrânica?
Desculpar-me
da minha insensibilidade? É a distância que justifica a minha passividade ou é
a crença na minha impotência de mobilizar os meios necessários para colmatar as
injustiças que se veem. Ou é o sentir-me virtualmente protegido como espetador
neste lado do écran. Ou o alhear-me de mim mesmo cedendo as responsabilidades
aos políticos e às autoridades.
As
desculpas serão tantas quanto a capacidade criativa da minha imaginação. No
entanto, seja a que distância estiver o mundo, os remorsos que sinto
relembrar-me-ão que ainda sou humano, que cai sobre mim, sobre cada um de nós,
uma certa dose de responsabilidade. A empatia pelos que sofrem da injustiça e
miséria ainda escorre como a lágrima que escorre pela minha face perante o
écran do televisor. Os valores universais ainda estão no mais profundo de cada
ser humano. Na mais falsa redoma caberá sempre uma gota de moral. Mas esta não
justifica o sentimento de apaziguamento connosco mesmo. Não justifica a nossa inação.
A nossa redoma é frágil, demasiado frágil. Mais fina que o vidro de um écran.
Desde
a atitude egotista e solidariamente soberba de um elemento da civilização
ocidental rica, quero acreditar que a perda de vidas humanas no Mediterrâneo
não é uma perda. É, desvirtualmente, a implantação nos recessos da nossa
suposta indiferença de uma semente dos mais universais valores que nos guiam na
vida, e que brotará e crescerá na frondosa árvore da condição humana. Um sinal
de que a moral sempre resistirá… até ao último ser humano.
Rui Manuel Rosado Quintas
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