3 de outubro de 2017

3º Prémio 2017

Refugiado de mim
Foi pelo écran do televisor que a noção de refugiado conquistou um lugar na vida das pessoas. Era um drama que visualizavam todos os dias nos telejornais. Corpos a boiarem nas águas do Mediterrâneo. Destroços de barcos resultantes de naufrágios onde perdeu a vida um número desconhecido de pessoas que fugiam da guerra, da miséria, da injustiça.
Imagens duras. Mas tão duras aos meus olhos, aos olhos dos ocidentais, quanto a equipa de futebol preferida ter perdido o campeonato. Pois, o vidro do écran cria uma distância perversa em relação à dura realidade da vida.
Por que é que isto acontece? Sou insensível à perda de vidas humanas? Como é possível comparar as emoções que me dominam aquando da derrota da minha equipa de futebol com as emoções correspondentes à imagem de Aylan Kurdi, a criança curda de três anos morta nas mãos de um guarda turco numa praia mediterrânica?
Desculpar-me da minha insensibilidade? É a distância que justifica a minha passividade ou é a crença na minha impotência de mobilizar os meios necessários para colmatar as injustiças que se veem. Ou é o sentir-me virtualmente protegido como espetador neste lado do écran. Ou o alhear-me de mim mesmo cedendo as responsabilidades aos políticos e às autoridades.
As desculpas serão tantas quanto a capacidade criativa da minha imaginação. No entanto, seja a que distância estiver o mundo, os remorsos que sinto relembrar-me-ão que ainda sou humano, que cai sobre mim, sobre cada um de nós, uma certa dose de responsabilidade. A empatia pelos que sofrem da injustiça e miséria ainda escorre como a lágrima que escorre pela minha face perante o écran do televisor. Os valores universais ainda estão no mais profundo de cada ser humano. Na mais falsa redoma caberá sempre uma gota de moral. Mas esta não justifica o sentimento de apaziguamento connosco mesmo. Não justifica a nossa inação. A nossa redoma é frágil, demasiado frágil. Mais fina que o vidro de um écran.
Desde a atitude egotista e solidariamente soberba de um elemento da civilização ocidental rica, quero acreditar que a perda de vidas humanas no Mediterrâneo não é uma perda. É, desvirtualmente, a implantação nos recessos da nossa suposta indiferença de uma semente dos mais universais valores que nos guiam na vida, e que brotará e crescerá na frondosa árvore da condição humana. Um sinal de que a moral sempre resistirá… até ao último ser humano. 


Rui Manuel Rosado Quintas    

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