Primeiro, num ato irreflexivo, apertou a mão contra a barriga, essa que albergava o seu pequeno Tiago de 8 meses. Logo, deixou o livro no sofá, aberto pela metade, levantou-se e ligou ao seu marido. Jorge, que em menos de 20 minutos, suado e preocupado, chegou a casa, encontrou a sua mulher muito quieta, pálida, com os olhos brilhantes de lágrimas que teimavam em não brotar e as calças manchadas de sangue. Inquieto pelo que via e lutando contra o instinto de abraçar a sua mulher e afirmar, sem garantias, “vai correr tudo bem”, acompanhou-a ao hospital, submergido num tenso ambiente de silêncio quase fúnebre.
Maria, com as mãos apoiadas na barriga numa tentativa de proteger esse ser por quem desprendia um amor inexplicável e que temia não chegar a conhecer, foi atendida de urgência e encaminhada ao bloco operatório. Em menos de 15 minutos, o cordão que a unia ao seu filho, num vínculo não só físico, mas também sentimental, tinha sido cortado. Pelas suas veias corriam várias drogas; umas para as dores da cirurgia, outras para a ansiedade do momento e outras que a mantinham entorpecida, inconsciente de tudo o que estava a acontecer à sua volta. Infelizmente para Maria, e para tantas outras mulheres, ninguém teve a bondade de inventar um remédio que curasse o coração partido de uma mãe, que nunca chegaria a sê-lo.
Nesse pesadelo efémero, onde os fragmentos das memórias misturavam-se e condensavam-se no que poderia ter sido um segundo ou uma eternidade, passariam várias horas até ser consciente de que o seu filho não sobrevivera ao descolamento da placenta.
Era uma quarta-feira, como tantas outras antes, quando descobriu que o amor de mãe dói, que a perda de um filho pode ser real e injusta e, soluçando adormecida, compreendeu que a sua vida nunca mais seria a mesma. Imaginou, ainda, que desde esse lugar sonhado observava uma etérea noite repleta de estrelas distantes e, qual Atlas, entendeu o intolerável castigo de carregar o peso do mundo aos ombros. Suplicou, devaneando, que o firmamento cedesse, que o céu lhe caísse em cima e lhe aliviasse essa pressão que acolhia no seu peito e que a sufocava lentamente.
Despertou a chorar. Essa dor, a de uma mãe com o coração despedaçado, prosseguia, viva e ardente; e o livro continuava imóvel em cima do sofá, aberto pela metade, tal como o deixara no sonho. Fechou o livro cujo final nunca chegaria a ler e notou como se movia o seu pequeno Tiago. Pousou a mão na barriga como um cumprimento, sorriu; o céu não caíra.
Pedro Manuel Beira Salvador
Redondo / Espanha
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