15 de outubro de 2018

Trabalhos Premiados - 2018

1º Prémio 

(Apoio: Município de Redondo)

João Pedro Pimentel Sigalho, Leiria


Heroísmo Contemporâneo 


Em plena guerra, Hernâni Cidade organizou uma investida que permitiu libertar um número indeterminado de soldados portugueses que tinham sido feito reféns pelas tropas alemãs. Este, era o padrão utilizado no início do século XX para definir os atos de heroísmo.
Já no século XXI, tudo mudou. Diariamente somos bombardeados com imagens de guerras, dilúvios, doença e fome. Não só na televisão, mas também no computador, (enquanto estamos no trabalho, de preferência) ou no telemóvel ao final do dia (de preferência, no transporte público, pois custa olhar para o outro e perceber o mundo à nossa volta). De tão habitual que é sermos confrontados com tamanha barbárie, relegámos a violência dessas imagens para segundo lugar, assumindo como prioridade o acesso à informação imediata e consequente divulgação, numa lógica de aparentarmos ser almas instruídas, cultas, interessantes.
Tal como os animais procuram comida, tornámo-nos em seres que perscrutam tudo o que é canal informativo (redes sociais, boletins noticiosos, páginas de jornais, etc) com o intuito de termos acesso à informação antes dos outros. Porque o que interessa, não é a informação. É o facto de termos capacidade de a partilhar antes dos outros. No final, o que interessa não é o “mediatismo” da notícia. Mas sim o “imediatismo” da mesma. E é esse um dos requisitos que faz com que todos nós conheçamos um “herói” do dia-a-dia.
Não por respeitar a vida dos outros, não por lutar por direitos universais e, certamente, não por tratar bem o próximo. Mas sim por ter a capacidade de, mesmo com um trabalho, mesmo com uma família, conseguir partilhar notícias sobre acontecimentos distantes, no imediato, fazendo os outros questionar acerca da sobrenaturalidade dessa mesma pessoa.
Por vezes penso sobre a evolução do ser humano. Em como foi moroso evoluirmos, em termos de valores ou no que respeita aos ideais. Como nos tornámos no animal social contemporâneo. Penso nos anos, décadas, séculos de luta, de diferentes segmentos da sociedade, para se conseguir alcançar uma sociedade mais igualitária. E como temos capacidade de resumir esses feitos num bloco de hora e meia, a ser passado num canal televisivo qualquer, obviamente com legendas (pois se não for de Hollywood, de certeza que não interessa).
Todos temos a capacidade de sermos heróis e de lutar pelo próximo, sem qualquer tipo de interesse subliminar, tal qual Hernâni Cidade. Mas mais importante do que ter a capacidade de agir de forma altruísta, é termos um agente que consiga vender a ideia de fazer um filme sobre isso. Porque se não o tivermos, de que vale ajudar o outro?

2º Prémio 

(Apoio: Banco BPI)

Nilton Carvalho Esteves, Évora


Entrincheirados

Numa Europa plural, construída sobre a égide dos ideais revolucionários que inverteram o destino de muitos dos países que atualmente a formam, convertendo regimes totalitários em Estados democráticos, começamos a sentir uma amnésia coletiva perturbadora.
As novas trincheiras, onde podemos procurar pelos heróis de hoje, encontram-se agora nos campos de refugiados, criados para acolher criaturas humanas à espera de uma chance de se realizarem "em humana dignidade". Encontram-se a bordo de navios de investigação oceânica, que teimosamente reposicionam o sonar em busca de almas desesperadas em botes sobrelotados. Andgelique Kidjo canta: “Não há maior alegria que a alegria de uma alma a nascer!”. Teremos de cantar mais alto as palavras: “Não há maior tristeza que a tristeza de uma alma a morrer... no Mediterrâneo!”
Enquanto a apatia e o atordoamento éticos permitem que nada se faça, quer nos países de origem quer nos de acolhimento, a silenciosa contabilidade dos mortos no mar mediterrâneo, na tentativa de chegar a um porto seguro e de ter uma melhor vida, já ultrapassou a tragédia mediática das torres gémeas do World Trade Center. Mas não existe uma data icónica - nine/eleven - para unir todas as nações em torno de uma causa.
Miguel Torga dizia: "seres humanos com fome na raiz"; para se referir ao flagelo das crianças subnutridas. Teremos de ir mais além e falar de seres humanos com sede de "ser"! Teremos de aplaudir ou, pelo contrário, indignarmo-nos quando uma prestigiada cantora adota crianças no Mali? Esta lotaria que permite a realização humana intermitentemente parece tudo menos justa!
Caros governantes europeus, a humanidade não é nacional! A riqueza das Nações encontra-se na diversidade - essa força motriz do desenvolvimento. A Europa deveria enveredar por uma ideia global de downshifting. Menos é mais! Se cada europeu cedesse um pedaço de si para albergar, em boa verdade, outro pedaço de si que ainda não conhece - e não estou a falar de terreno ou de dinheiro, mas sim de boa vontade e hospitalidade moral - a unificação europeia poderia tornar-se uma realidade.
Se o amor pela coisa, vulgo consumismo, desse lugar ao amor pelo próximo operar-se-ia uma nova revolução que faria da Europa pioneira em matéria de ideologia. Ainda que a resistência da Europa ao mediatismo cultural esvaziado de conteúdo não seja tão forte como noutros tempos, assistimos aqui e ali a momentos únicos, como o caso do grupo Between music e o seu projeto
musical Aquasonic em que todos os sons são produzidos debaixo de água... para mim o melhor Requiem para os que não tiveram qualquer hipótese contra o Mediterrâneo.


3º Prémio 

(Apoio: Junta de Freguesia de Redondo)

Carlos Manuel Meneses Moreira, Maia


Hernâni Cidade: lugar-tenente da humanidade em tempos de crise


A 9 de abril de 1918, na célebre Batalha de La Lys, Hernâni Cidade era feito prisioneiro pelas forças alemãs. Durante os nove meses de cativeiro, ao invés da letargia comum de quem se via privado da mais elementar liberdade e dignidade humanas, ouvia-se Hernâni Cidade, aos domingos, a proferir conferências sobre literatura portuguesa, enquanto se adentrava pela língua e cultura alemã. No
mínimo desconcertante, o modo como o então alferes Hernâni Cidade entrevia um significado outro da guerra, como o que o levara cerca de um ano antes a salvar um soldado alemão ferido no campo de batalha! Poucos, porque insignes pensadores da condição humana para além da sua contemporaneidade, foram capazes de exceder o seu tempo e qualificar a sua experiência, intuindo um outro sentido para a sua e para a humanidade inteira. No decurso daquele período, em que Hernâni sentia em si germinar a vocação de professor, no sentido homónimo de mister e de mestre, era proferida na cidade de Lisboa, na noite de 4 de julho, a conferência de Leonardo Coimbra sobre o Significado Espiritual da Guerra Europeia. Como poucos, também Leonardo Coimbra via na guerra a consequência de uma sobreposição dos valores naturais sobre o adormecimento dos valores espirituais, a ponto de aventar, de modo também desconcertante, que a guerra podia mesmo revestir uma “grandiosa experiência moral”, antevendo que até a beligerância podia ceder lugar a atos de profunda humanidade, capaz de redimir e resgatar um outro sentido: o da fraternidade reencontrada no amor ao próximo, tal como preconizado por Hernâni Cidade. A vocação a que todas as criaturas humanas são chamadas, de dignificarem a própria humanidade a despeito de todos os atos desumanizadores, foi bem patente na estatura moral e espiritual de Hernâni Cidade que, como poucos, soube emancipar-se do regionalismo individualista rumo à universalidade da condição humana. Com
propriedade, poder-se-ão prenunciar nestas atitudes de Hernâni Cidade a germinação de uma certa utopia que, naquele tempo, apesar de desconhecer o reiterado adormecimento de valores espirituais que vieram a espoletar a Segunda Guerra Mundial, vislumbraria a construção de uma Europa unida, alicerçada numa comunidade de cidadãos: ou não fosse “Camões, Poeta Europeu”, o título da sua primeira conferência proferida em cativeiro. Com Hernâni Cidade, é a cultura humana, a arte, a literatura, que humanizam a pessoa e a distanciam da animalidade, despertado a consciência coletiva da sua vocação, sobre o adormecimento dos valores espirituais, isto é, daqueles valores que
genuinamente a humanizam como tal. Assim plasmado o seu pensamento, não admira que, a convite de Leonardo Coimbra, tenha Hernâni Cidade prosseguido a sua vocação como docente em 1919 na então criada Faculdade de Letras do Porto, cidade onde, neste período da sua biobibliografia, veio a casar-se e a lecionar no Liceu Rodrigues de Freitas, figurando no rol dos poucos, mas insignes, professores portugueses do seu tempo que permaneceram para além dele, como lugar-tenentes de profunda humanidade em tempos de crise.
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Menção Honrosa 

(Apoio: Município de Redondo)

Resolveu o júri desta edição de 2018 do Prémio Doutor Hernâni Cidade, atribuir uma Menção Honrosa a um texto que, pelas suas características, não se enquadra manifestamente na modalidade em apreço: a Crónica.

O texto intitulado “Crónica sobre minha curiosidade”, orienta o nosso olhar para o ato de recolher tampas para as doar. Que haverá nisto de relevante? Primeiro que tudo, ser a manifestação confessada de um ato de “curiosidade ou interesse em saber, conhecer, sentir (…)”, e cumulativamente, traduzir o “prazer em ajudar quem necessita (…)”. A curiosidade e o prazer em ajudar! Se na curiosidade vive uma das fontes do amor, no prazer em ajudar quem necessita, reside uma das manifestações desse amor, associando-se no caso deste texto, o despertar da consciência coletiva para um problema que sendo ambiental é também, cultural e civilizacional.

Mais notório se nos tornou este escrito, pela idade do seu autor, homem de 85 anos que nos revela – e por isso mereceu o nosso destaque – duas vias de sabedoria:

- Manter viva a curiosidade para ter uma vida longa.

- Ajudar o próximo com prazer – e acrescentaríamos, sem esperar retribuição e visibilidade.

Eis a heroicidade diária que se nos pede para a Paz.
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Crónica sobre minha curiosidade


Júlio da Silva Máximo Viegas, Queijas

Curiosidade ou interesse em saber, conhecer, sentir, meu apanágio que já me tem proporcionado situações felizes e dramáticas. Uma das curiosidades que me deu bons momentos, começou pelo facto de eu ver pessoas a apanharem garrafas de plástico nos passeios e até nos contentores do lixo e de seguida, desenroscarem a tampa de plástico azul, metê-la no bolso, e deixarem a garrafa no local onde a apanharam. Resolvi perguntar a uma senhora, o motivo do que tinha acabado de fazer e ela, gentilmente, disse-me que tirava as tampas, para as dar na escola primária que ficava perto da sua residência, pois a escola todos os fins de mês, enviava a sua carrinha com as tampas que várias pessoas lá entregavam, e normalmente rondava entre os 20 a 30 quilos. As tampas são entregues numa organização que se encarrega de gratuitamente oferecer Cadeiras de Rodas, a quem tem necessidade delas e não tem poder financeiro para as comprar. A quantidade de tampas para uma cadeira corresponde a 1.000 Quilos de tampas. Após ter este conhecimento, eis-me nas minhas diárias passeatas, a apanhar tampas e o meu recorde num dia, está em sessenta tampas.
A minha curiosidade, e o meu prazer em ajudar quem necessita, levou-me a querer saber quantas tampas são necessárias para perfazer os 1.000 Quilos e fui pondo tampas na balança até chegar às 100 gramas e deu precisamente 70 tampas; como tal, 1 Quilo dará 700 tampas, sendo Mil Quilos, será 700.000 tampas.
Cá ando com muito gosto a apanhar as que vejo que também me proporciona bela ginástica, ou seja a de me baixar para as apanhar, mas também já me lembrei que os lisboetas são inimigos do asseio nas ruas, pois garrafas de plástico, de vidro, beatas, papéis, sacos de plástico, não são nada cuidadosos! Pelas visitas que faço a várias terras do Alentejo, graças à Poesia, ó tampas! Muito poucas eu acharia!
O grau de cuidado dos alentejanos, é soberbo! Bravo! Bravo! 

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