Prémio Literário Hernâni Cidade - 2010
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Trabalhos Premiados
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1º Prémio
"Venho brincar aqui no português"
João Alberto Fernandes Roque
(Gafanha da Nazaré)
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Venho brincar aqui no Português
Venho brincar aqui no Português,
a língua dos meus pais e minha, agora,
herança a que acedi e assim me fez
irmanado a milhões, pelo mundo fora.
Espaço de orgulho e altivez,
onde se ouve uma voz livre e sonora,
lugar de diversão, sem timidez,
não vive já dos feitos de outrora.
E os poetas que brincam com os sons,
alegres companheiros no recreio,
partilham todos deste devaneio:
de tornar, cada qual com os seus dons,
nossa língua um local acolhedor;
nossa pátria mais rica… e maior.
Mia Couto
Sim, amigo, obrigado pelas lições.
Matámos a galinha por um ovo…
é preciso avivar, erguer de novo,
brincar, criar, fazer brincriações.
Ajudaste a sonhar colorações
no planeta dormente onde me movo,
recriaste a língua com o povo,
recreaste a língua em diversões.
Recuperaste até antigos brilhos
(e os ovos de ouro brilham mais
se reflectem o brilho dos demais),
trouxeste alegria a nossos filhos,
cor aos planetas já entorpecidos …
Seja a língua carícia em teus ouvidos!
Unidiversidade
Nascemos em países tão distantes
mas nossas falas, na diversidade,
brincam juntas em tal intimidade
nesse encontro, são línguas de amantes.
Belo festim de sons com cambiantes,
poetas burilando a claridade.
Tantas faces não quebram a unidade,
mas reflectem a luz, são diamantes.
Perceber-te não é grande façanha:
posso achar a pronúncia estranha,
pode o vocabulário divergir…
- Adorei, foi gostoso o cafuné.
- Se pensas que eu não sei o que isso é…
percebi, não precisas traduzir.
2º Prémio
"O ente do dente"
André Telucazu Kondo
(Brasil)
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O ente do dente
Venho brincar aqui no Português,
Puxar a corda do Til do meu Pião
E fazer girar com força o tal ÃO.
Não se brinca assim com o tal Inglês.
Vou chutar bem pra ti o O da bola,
Pra tu fazeres um golo com ele,
Chutando de letra o O de sola,
O G chutando o O dentro do L.
E se menina fores, há boneca,
Pra tu pintares a bochecha dela,
Trocar o BON pelo sapo sapeca.
Venhas tu também brincar com a gente,
Com cada letra, que é bem diferente.
Vês, como o ente do dente é mais contente?
A beijar
Com portugueses lábios a envolver,
Abraços de braços moçambicanos,
Brasileira boca a tremer e a gemer,
Com carícias de toques angolanos.
Se acaso em Macau eu encontrar
Brilhantes lágrimas açorianas,
Por São Tomé e Príncipe a chorar,
Com asiáticas vistas africanas.
Saberei que o amor no mar é impune,
No mar que – ao Cabo Verde – abraça
E o Timor Leste à Guiné Bissau une.
Abraçado aos povos, no leito do mar,
A beijar com... a língua portuguesa
O mundo sente o lusitano amar.
A língua
Com o colorido da minha língua,
Posso brincar de colorir o mar,
Digo que o pobre mar vive à mingua
De azul, por isso, ele tem cor de ar.
Posso brincar com um rosado gato
De três rabos e seis patas azuis.
Posso montar em um gigante rato
Com cabeçorra de elefante anis.
Posso libertar palavras sem fim,
Tudo posso fazer com minha língua,
Basta não usar o não e dizer sim.
Na verdade, posso até dizer não
Querendo dizer sim, mas tenho medo
De a língua morder: fim da diversão.
3º Prémio
"Brincar no Português"
José Carlos Franco Pereira da Silva
(Leiria)
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Brincar no Português
Venho brincar aqui no Português,
A tal língua pr’aí tão maltratada
Que mais parece uma baralhada
Com palavras torcidas a torquês.
Vamos lá a saber por uma vez,
O qu’é brincar c’ a língua falada?
Inventar termos ou frase melada?
Ou encher tudo de trampa em inglês?
Basta, acabai com a brincadeira,
Sou uma pessoa à moda antiga!
Não me revejo nesta bandalheira,
Sou ónesto e não vou na cantiga.
Ergamos o pendão de A. Vieira
Com mil cruzes, o Demo pr’à urtiga!
Brincar com a língua
Com a língua não quero brincar,
Que burro velho não aprende mais.
Mas posso saltar os gramaticais
Se quiserdes que cuspa pr’a o ar.
Do mundo é o fim, a’ sneira’ a saltar,
Morta’ as palavras dos egrégios pais.
A prova? Basta abrir quaisquer jornais
Ou o computador rever, clicar.
Sonetos a brincar com coisa séria?
É assunto pr’a rir? Mais pr’a chorar…
Mas nunca pr’a fazer disto pilhéria
Ou botar verso pr’ aqui a reinar.
Senhores, talvez com graça rimasse
Se, por mercê, o tempo me parasse.
Brincar no Português, às risadas
Às vezes apetece-me, sei lá…
Na gramática dar um pontapé,
Virá-la do avesso, perder fé,
Esquecer tudo, mesmo o bê-á-bá.
Nem pôr acento aqui nem acolá,
Escrever como se fosse um bebé,
Pois… tudo musicado em tom de ré,
Monocórdico, sem til sem agá.
Pôr versos no papel sem rei nem roque,
Assim como quem troca de farpela,
Brandir uma loucura de dar choque,
Que, dando um nó, entala na goela.
Enfim… sc’andalizar s’tou toda a gente:
Uf!... Bom!... Este não fica pr’á semente!
Prémio Especial Juventude
O Júri deliberou não atribuír Prémio Juventude por entender não haver qualidade nos trabalhos apresentados
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Menção Honrosa
"Brincar com a língua"
Maria Filomena Franco Gonçalves Mota
(Mafra)
Brincar com a língua
Aqui, onde as palavras são levadas pelo vento
E apenas os sons ressoam no tempo,
A língua, faz cócegas nas gargantas poéticas
que vagueiam em fins de tarde solarengas.
Aqui, no Português, onde se soltam
Livremente sílabas tónicas que tornam
E teimam em tornar ao autor,
Bocejando bolas de sabão sem sabor.
Brincar com palavras, haverá melhor?
Permitir-lhes propagar-se pelos poros
Senti-las cintilar na pele e sabê-las de cor:
É como vestir um despido
Ou tentar despir um vestido,
Sem despentear um penteado.
Ser seduzido pela dança das letras
Simples, sensorial e insensata
Numa simbiose entre sujeitos subjugados
Sinceros no seu passo sincopado.
Ser, ter, poder, fazer, acontecer,
Muito para além do imaginável,
Pairar, flutuar, elevar, arrostar,
Saltear palavras, intrépido e instável.
Elas, que brotam de improviso
Impugnadas de excessivos sentidos,
Abandonam-nos depois sem sobreaviso.
Elas, que nos confortam e amparam
Por vezes escapam e disparam
Sem as conseguirmos ver ou conter.
Como é bom quando nos beijam a pele
O seu gosto salgado e a mel
Mas, se um ou outro ditongo se escapa
Pode rasar no palato o gosto do fel.
Por vezes inocente, por vezes fatal,
Resvala pelos meandros da emoção
Percorre as vielas da ilusão
Sem preconceito regenera-se sem mal
É para sempre querer ascender
É predispor-se a despir as amarras
E regressar às águas amnióticas.
É dar um abraço num barco à vela,
Estampado na espuma aguarela
Deixando-se remar, rumar e rimar.
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